O Rio Que Há Em Mim
Apesar da hora, cerca de 7 da manhã,
dava para perceber que o dia seria quente e enquanto percorria a estrada de
terra batida junto ao Sorraia, onde as suas águas sem parar entrelaçavam os
seus eternos murmúrios com o trinado dos pássaros numa refrescante harmonia
matinal. Continuei a andar observando a margem do lado de lá do rio, onde os
campos que se perdiam de vista outrora viçosa verdejantes , ganhavam agora novas
tonalidades alaranjadas com o aproximar do verão. Num jeito indolente mas ritmado,
as águas do rio corriam em direcção ao Tejo por entre as vilas e as lezírias
ribatejanas que o acolhiam entre as suas margens como num abraço. Caminhava
lentamente tal como o sol subia no nesse céu tão azul, sentei-me num banco de
pedra ao acaso deixando correr o tempo, as águas, as minhas emoções. Já tinha
perdido tanta, mas tanta coisa, ficaram as mágoas que me acompanhavam como se
fossem as minhas sombras. Tinha cada vez mais a noção da talvez inevitável falência
dos meus olhos, provavelmente podia ser a última vez que via aquela paisagem
tantas vezes revisitada. Respirei fundo com a angústia de quem não sabe como
sair desta amarra que se está a tornar cada vez mais real, dolorosamente real.
Abanei a cabeça na tentativa de afastar esses pensamentos e continuei a andar
junto ao rio Sorraia percorrendo a margem . Tentava fixar, gravar cada cor,
cada movimento, era como um ultimo abraço, um encontro que estava inevitavelmente
marcado, era estranho mas pouco mais podia fazer do que registar este momento.
Eu provavelmente corria contra o
tempo e por entre as pedras as águas do rio falava num murmúrio insondável,
como numa despedida. Não era um adeus definitivo mas, sentia que se voltasse
nada seria igual, continuei num passo incerto onde as memórias de tanta coisa
que podia e devia ter feito de forma
diferente, , agora já não havia nada a fazer, existem na vida "preciosos
vasos" que uma vez quebrados jamais se puderam reconstituir de novo.
Inspirei profundamente como uma vã tentativa de guardar comigo, em mim a pureza
e frescura deste lugar.
Na outra margem por entre o que ainda
restava de alimento outrora verdejante ao assobio do pastor, um laborioso cão
corria de um lado para o outro juntando as ovelhas e tudo corria talvez para um
fim previamente anunciado tal como o rio que há em mim.
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