Meus Olhos Minhas Mãos
Acordei aos poucos como quem já não tem
pressa nem nada a provar, e se o tiver é a mim mesmo. Indolentemente, fui
mexendo cada parte do meu corpo para que despertasse com a mansidão dos dias
sem compromisso. Finalmente, sentei-me na beira da cama, abri o computador,
coloquei uma música ao acaso, onde o piano e a flauta se enleavam numa harmonia
quase corpórea, como uma dança onde se podia sentir o calor das notas que se
envolviam num abraço suave, harmonioso e quente. Era como se aquela música
tivesse uma textura física e se movesse pelo meu quarto livremente preenchendo
os espaços vazios. Fiquei imóvel apenas absorvendo. A música seguia indiferente
á minha presença rodopiando suave, tranquila e relaxante, ao meu redor.
Não sei quanto tempo passou mas, a pouco
e pouco senti de novo a densidade e tomei consciência do meu corpo.
Tinha os punhos cerrados, levemente
cerrados, abri as mãos e olhei-as com o meu olhar característico de cego.
Toquei uma e outra com os meus dedos reconhecendo de forma quase indelével,
como de não as tocasse tocando. Minhas mãos meus dedos, meus olhos. As minhas
mãos são agora e cada vez mais, não só os meus sensores tácteis mas muito mais
pois em conjunto com os meus dedos eram os meus "olhos". O grande
desafio é mudar o "chip", pois os dedos e as mãos são agora os novos
receptores e transmissores das imagens ao cérebro.
A música ganhou nova textura, quase física, ao fundo a água corria
paulatinamente embalada no canto dos pássaros enquanto uma nova flauta se
juntava em acordes mais finos e como por encantamento eu vi uma lua enorme, os
pássaros e a água ao ritmo das flautas e do piano. E num fundo azul-escuro do
céu as estrelas dançavam derramando a fosforescência da sua luz sobre aquele
quadro natural. Tudo tão simples assim.
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