Memórias Cruzadas ou Talvez Não
Memórias Cruzadas ou Talvez Não
observo com relutante indiferença e alguma ironia que tenho o
"péssimo" hábito de não fugir, quer aos assuntos quer aos pensamentos
que vão chegando. Seria muito bom, como não o faço, tenho que dar a mim próprio
respostas credíveis uma vez que só dessa forma me é possível diminuir os
conflitos internos. Os pensamentos não se eliminam, só desaparecem quando
são resolvidos, há pois que aquietar a mente o melhor possível.
Fácil não é mas é possível, não sei avaliar como pensam ou sentem os outros,
logo falo apenas na minha experiencia , assim que para mim a alternativa que me
parece é ir o mais a fundo possível, entrar no "olho do furacão", e
sem se tornar parte do problema mas, resolvê-lo por dentro tentando no entanto
ter uma visão o mais tridimensional de toda situação para observar de todos os
ângulos e assim ter uma melhor capacidade de resolução.
Ás vezes, e apesar de ter consciência de que devemos deixar algumas
coisas para traz ou seja, é preciso deixar para traz alguns dos fardos que
vamos carregando ao longo da vida. Dessa forma, ficamos mais disponíveis para
os desafios que a vida nos traga, parece fácil
mas, operacionalizar isso no nosso cérebro não é nada simples. É sabido
que um guerreiro demasiado, cansado carregado perde mais facilmente a batalha.
Quando
falo de largar coisas refiro-me a mágoas, frustações raivas e rancores, tudo o
que já não nos interessa ou só nos deixe mal. Há já muito tempo que defino o
passado como isso mesmo, passado portanto é para ficar no lugar ao qual
pertence, ao passado. O presente, é hoje, há que aproveitar cada momento como
único, porque ele é mesmo isso único. Quanto ao futuro, só começa amanhã, fazer
projectos ou desenvolver ideias sim, mas não "desenhar" o que não
sabemos se vai acontecer Nada de criar expectativas, uma vez que as
expectativas criam ilusões quanto ao que gostaríamos que acontecesse e não ao
que vai acontecer. A nossa mente é demasiadamente obsessiva.
Como numa tela, passam por mim flaxes do passado numa mistura caótica
de imagens que por várias vezes se sobrepunham. ora estava em grupos de amigos,
ora passeava de mão dada com os meus filhos pela praia, ora percorria ruas sem
destino aparente. Aos dezoito anos, percorremos a linha do horizonte e tudo é
nosso, com Íris ao som dos Bee Gees, aprendemos a juntar num só momento o
entardecer com o anoitecer como se tudo não passa-se dum momento único.
Nada voltará a ser igual, e disso era absolutamente necessário estar
consciente. A cegueira mudou forçosamente a vida tal como eu a conhecia no
entanto, transportava-me para um desconhecido mas, ao mesmo tempo
assustador mas igualmente desafiante caminho novo, descobrir e desbravar esse
caminho é a solução. Então vamos em frente.
Veio-me á memória, algumas palestras do Emídio Carvalho sobre a
Mente, a qual ele define como a louca esquizofrénica. Não posso estar mais de
acordo.
O meu olhar esbarrou numa cortina negra, branca para lá do
qual nada mais havia que a dolorosa sensação de cegueira.
Como um dilúvio, as lágrimas deslizaram ininterruptamente,
amargas e incontroláveis mas, nem assim apagavam a raiva crescente. Senti que
os soluços se afogavam na garganta aprisionando um grito de incrédula revolta.
Não sei quanto tempo passou, como também não sei o que doía
mais, a garganta a cabeça? o peito?...
A pouco e pouco e apesar da tormenta o trinado de um pássaro chamou-me de novo á
realidade. O leve sussurrar das folhas, que se balançavam acompanhando a
cadência da brisa escaldante de agosto,
os cheiros de verão num fim de tarde, tive a sensação de uma absoluta harmonia
que não podia ver mas sentia profundamente como nunca talvez tenha sentido
desta forma tão subtil e intensa.
"E veio-me á memória uma frase batida este é o primeiro
dia do resto da minha vida".
Depois do
jantar, sentei-me nos degraus da porta, acendi um cigarro enquanto os meus
olhos lançavam á noite olhares docemente irónicos á escura noite de janeiro de
2018. Aspirei o fumo com a volúpia como na busca de sensações que já não sei se
existem em mim. Respirei fundo o ar frio da noite, e dei por mim a olhar o céu
talvez na esperança de ver alguma estrela, talvez em busca de Deus ou de um
qualquer sinal. Irrequieta, rebelde e indiferente ao meu estado, uma lágrima
desce alegremente pelo meu rosto até adormecer nos meus lábios ternamente
perversa e salgada. O calor do cigarro fez-me despertar do torpor em que me
encontrava.
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